Sean Riley: All The Way West

“A melhor parte não é o destino, mas a viagem” é um cliché daqueles bem gastos, mas enquadra-se perfeitamente quando o sujeito é California (2018), o álbum de estreia a solo de Sean Riley (ou Afonso Rodrigues). Contemplativo, o disco manifesta-se nas virtudes da autenticidade. Não há pressa em chegar.

Afonso confessa que se tivesse nascido noutro país, Sean seria o seu primeiro nome. Riley foi uma espécie de associação que teve num sonho. Sean...Riley. Quando acordei, aquilo fazia-me sentido, conta. Se bem me recordo, a ideia girou em torno de escrever em inglês e não me sentia muito confortável em assinar como Afonso Rodrigues, explica o músico sobre a origem do seu alter-ego. Na época, era extremamente tímido em relação ao trabalho que fazia, então achava que se as canções fossem assinadas com outro nome, estava um pouco mais protegido e não tão exposto.

A vontade de fazer um álbum a solo surgiu em 2012, mas acabou por não acontecer porque arranquei com Keep Razors Sharp, logo a seguir fiz outro disco com os The Slowriders e não houve espaço para isso, explica Afonso. Contudo, o apetite reagiu. Fastforward no tempo, Afonso está a abrir para o concerto de Josh T. Pearson no Musicbox em Dezembro de 2015. Paulo Furtado (The Legendary Tigerman), que assistia ao concerto, ficou impressionado pelo registo acústico, mas a conversa ficou em suspenso. Meses mais tarde, Furtado preparava-se para ir a Califórnia gravar o MISFIT (2018) e Afonso encontrou aí a oportunidade. Porque é que nessa roadtrip, não trazes a guitarra e fazemos o tal disco que já tiveste para fazer e aproveitamos agora? disse-me o Furtado. Foi assim.

Fortemente impulsionado pelo amigo, Afonso admite que o apoio foi determinante. Limitei-me a tocar as canções e a cantá-las, mas foi ele que as gravou. Foi ele que fez a fotografia que está na capa, que me ajudou a escolher a pessoa que ia misturar o álbum, a afinar as misturas. Portanto, todo o seu trabalho foi essencial para que este projecto se conseguisse concretizar, senão jamais teria feito este disco - pelo menos, nunca desta forma.

Califórnia refere-se a origens e mudanças de sentido. Pode até parecer indulgente emparelhar vários sentimentos neste registo mais modesto, mas o álbum é realmente muito focado. Acho que há uma intenção de simplicidade em todo o disco. A ideia transversal, além de ser um álbum de viagem, é um álbum feito por dois amigos numa espécie de homenagem à amizade e ao amor que têm à música. Para Afonso permanece também uma noção muito consciente de tentar fazer com que a pessoa que ouve a música, a sinta o mais próximo possível da sua génese. Não será essa a melhor forma de ampliar o efeito final?

Los Angeles, Carmel By The Sea, São Francisco, o deserto de Joshua Tree. São lugares que compõem e contruíram a narrativa. Embora a maioria das canções tivessem sido preparadas em Portugal, todas elas foram gravadas nos motéis onde os dois músicos dormiam, excepto o single e primeira canção do álbum. LA é muito interessante porque foi gravado no Rancho de La Luna e é uma das grandes experiências que tive naquela viagem, porque foi o arranque.

Estavam no Rancho De La Luna. O Furtado prestes a terminar a gravação do seu disco e ainda não se sabíamos bem se ia haver tempo para começarmos a gravar. De repente, depois de ter passado o dia todo a conduzir sozinho por estradas das montanhas, regresso a Joshua Tree, às 8 da noite. Estamos a jantar, a beber um copo, o Furtado sobe e diz-me: “isto está bem encaminhado, provavelmente vamos acabar hoje e vais gravar hoje também”. Ficamos por ali o resto do serão e, às 11h e tal, meia noite, acaba de gravar o último take do Misfit e, automaticamente, o John, o engenheiro de som do Rancho diz-me: Ok, passa tu para a sala de captações.

Afonso entra e faz dois takes do LA. O álbum abre com o primeiro take dessa primeira canção gravada no Rancho, num dia em que podia não ter acontecido. Este é, sobretudo, um disco feito desses acasos e dessas histórias, quase um bocado a cena mística do universo alinhar-se ou não.

Quando se escreve uma canção, existe sempre um primeiro registo. Estás às duas da manhã num quarto de hotel ou às seis da manhã na tua sala de estar, fechaste aquele poema, aquela progressão de acordes e vais querer de alguma forma registar aquilo. Esse primeiro registo, normalmente nunca é ouvido por ninguém, porque o que acontece é que vais para um estúdio gravar essa canção e a música acaba por crescer noutra direcção, justifica.

Afonso, ou Sean Riley, continua a descida às raízes. Pelo caminho, a música ficou maior e mais genuína.

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por: Teresa Melo
fotografia: Paulo Furtado

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