Arlindo Camacho: Lentes no Backstage

Arlindo Camacho é o mestre do retrato. No Blog do BB relembramos o seu percurso, os trabalhos mais icónicos e as razões pelas quais é um dos fotógrafos portugueses mais relevantes do panorama musical.

Foi há doze anos que revelou as primeiras fotografias. Muito longe de saber que um dia viria a ser fotógrafo a tempo inteiro, Arlindo trabalhava numa loja de desporto. Sempre me rodeei de muitos amigos artistas ou que tinham a arte como forma de expressão. Para mim aquilo era super frustrante, porque eu gostava de ser livre como eles e isso era um objectivo.

Naquela altura, um amigo próximo que estudava na Escola Superior de Dança lançou-lhe o desafio e perguntou-lhe se queria fazer as fotografias do trabalho final de curso. Eu disse-lhe “epá, mas eu não faço fotografia, não sou fotógrafo” e ele “não tenho ninguém, compras uma camara e vais fazendo”. Levou a Yashica de uma amiga numa mão, a coragem na outra e lá foi fotografar a apresentação do Ricardo Freire. Quando vimos os resultados, a minha técnica era tão má e, ainda para mais, a máquina tinha o fotómetro avariado, portanto estava a fotografar um bocado por instinto e aquilo ficou tudo em panning. Como a apresentação era contemporânea, acabou por fazer todo o sentido sem ter sido feito de forma propositada. A professora adorou as fotografias, conta Arlindo.

Depois de uma breve passagem pela Ar.Co em 2004, transitou para o Instituto Português de Fotografia. De lá, chegou ao Diário de Notícias para estagiar, onde ficou três anos. Foi aí que descobri que o trabalho documental é assim a minha grande paixão.

Curiosamente, cruzou-se com a música no Black Sheep Studios. Arlindo é amigo de infância do Tatanka [The Black Mamba] e naquela altura, ele tinha uma banda de reggae muito primária. Fomos para o Black Sheep, bem diferente do que é agora. Foi aí que comecei a fazer as primeiras sessões fotográficas a bandas. Aliás a minha primeira fotografia a uma banda foi com essa banda do Tatanka por cima de uma viga, uma fotografia terrível, explica entre gargalhadas.

Arlindo continuava a fotografar as bandas que iam aparecendo no estúdio. Muito do meu percurso na área da musica, devo-o àquele período no Black Sheep Studios. Tinha muito tempo livre e consegui acompanhar a gravação de alguns projectos. Lembro-me de Brass Wires Orchestra, o início de The Black Mamba, o primeiro álbum de PAUS, Richie Campbell, Dengaz. Quase todos os que passaram ali acabei por acompanha-los.

E acrescenta que às vezes as pessoas não se lembram muito disso, mas o Bb acabou por ser ou é quase o padrinho de grande parte dos projectos que agora estão aí, porque deu condições à maioria dessas bandas de estarem lá a trabalhar. Acho que daqui a uns anos, as pessoas vão pôr a mão na consciência e agradecer-lhe pelo que fez à musica portuguesa, porque sempre lhes deu condições. Isso é o melhor. E eu andava lá, a registar aquilo tudo.

Os convites começaram a surgir espontaneamente e, Arlindo entrou num meio onde a maioria das pessoas tem muito preconceito, o tal mainstream. No seu site, o retrato do Agir está ao lado do de Boss AC. Um pouco mais abaixo, vê-se Diogo Piçarra, Carolina Deslandes e Camané. Tenho muito orgulho de todos os músicos com quem já colaborei e posso dizer que já trabalhei desde o David Carreira a Sérgio Godinho, de Jorge Palma a Pedro Abrunhosa. Fotografei os Anjos, que ficaram meus amigos pessoais. Posso não ouvir a sua música, mas não a posso criticar. Há medida que os vou conhecendo, sei que a dedicação que dão àquele projecto é tão ou maior do que outro qualquer. É a mesma fórmula. Quando o Rui Veloso me liga para fazer um trabalho, tenho a mesma alegria de quando me liga um miúdo que está a começar agora.

Fotógrafo independente, hoje colabora com a Revista Visão e com a Time Out Magazine, e é também um dos fotógrafos oficiais do Festival NOS Alive. Esteve lá desde a primeira edição e, na quarta, o convite para ficar foi-lhe feito. Começamos com os Backstage Portraits e a ideia era fazer um retrato antes do músico entrar em palco. Muse, The Cure, Foo Figthers, The Prodigy, Artic Monkeys, entre muitos outros. O mais incrível? Fotografar em cima do palco.

Uma das fotografias que mais gosto é a de Muse há três anos atrás. Foi o dia em que esteve mais gente no recinto, conta. Pediram-lhe a “fotografia que vai fazer história”. Arlindo recebeu carta-branca e aproximou-se do palco com o tour manager que lhe deu consentimento para ficar ali num determinado sitio do palco. Assim que ele saiu, vou a correr para onde queria mesmo ir, começo a fotografar, olho para trás, ele já vem a correr na minha direcção, era enorme, pega em mim, vou no ar a fotografar. A fotografia foi feita no ar, literalmente. E é porreiro porque estão ali uma série de indicações: o line up nas colunas, as 60 mil pessoas a ver. E estás a ouvir aquilo tudo no palco, o que só os músicos é que sentem. É daqueles momentos que acabam por se tornar simbólicos. A fotografia tem destas coisas.

Todos os retratos reunidos no mesmo sítio com o mesmo fim. A imagem é como um veiculo de comunicação e eu tenho esse privilégio, da minha imagem ser um dos suportes dessa viagem. Tal como o retrato numa capa de álbum que tem essa capacidade imperecível e fixadora de memorizar o que é que aquela pessoa foi naquele período da vida dela. Haverá alguma coisa mais gratificante para um fotógrafo do que documentar esse lado que não volta a acontecer?, pergunta Arlindo. A memória pode sucumbir, a fotografia não.

https://www.arlindocamacho.com

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por: Teresa Melo
fotografia: Arlindo Camacho

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