Na régie com: Guilherme Gonçalves

O Guilherme Gonçalves é um dos produtores mais interessantes desta geração e só os desatentos é que ainda não repararam nele. Aproximou-se da música de uma forma tão inata, que ele próprio, com apenas 32 anos, já definiu o seu lugar no espaço da produção musical. Keep Razors Sharp, Sean Riley and The Slowriders, The Poppers ou Them Flying Monkeys residem no seu portfólio. Natural de Torres Vedras, Guilherme é hoje um dos pilares do Black Sheep Studios.

O primeiro contacto com a música ocorreu em casa. O meu pai foi músico e ouvia muita música, principalmente das décadas de 60 e 70. The Doors, Black Sabbath, Santana, etc., eram assim das suas coisas preferidas. E acho que por crescer a ouvir estes estilos de música, fui aprendendo a gostar, sobretudo, de rock ‘n’ roll. O meu tio também foi músico durante muitos anos. Tocava clarinete e fui crescendo enquanto o ouvia a ensaiar.

A adolescência, gozada no auge dos anos 90, foi a vontade convertida em decisão. Nesta altura, desenvolvia um grande interesse não só por música mas também pela sua sonoridade. Nas bandas que mais ouvia, o papel do produtor tornava-se muito evidente acabando por ganhar um protagonismo muito próprio. Graças ao boom da internet, também comecei a receber mais informação sobre estas coisas e a curiosidade desenvolveu-se, refere.

Quando era miúdo, curtia mesmo ser produtor, por isso, acho que estou no bom caminho, comenta entre risos. Aos 12, 13 anos quando tive a minha primeira banda de hardcore não fazia ideia de como é que se gravava. Então, ia ao estúdio e via – naquele estúdio ainda se gravava em fita – e isso foi-me despertando curiosidade. “Como é que isto soa assim”? Queria perceber que, de alguma forma, a identificação com esta ou aquela sonoridade em particular partia sempre de alguém, era uma parte criativa que chegava de uma ou várias pessoas para além da banda.

Chegou ao Black Sheep Studios através da amizade com o Carlos Bb. Íamos a muitos concertos de hardcore, o Bb tocava com amigos meus, às vezes eu vinha aqui – antes de ser um estúdio, faziam-se concertos – e foi por aí que nasceu esta ligação.

Entretanto, a remodelação do estúdio trouxe também a necessidade de renovar a sua equipa. Eu também faço som ao vivo e às vezes fazia som às bandas onde o Bb tocava. Ele gostava do meu trabalho, lembrou-se de mim e deve ter pensado “se calhar este é um gajo que pode ser fixe para trabalhar aqui”. Há três anos o convite foi feito e aceite.

Multifacetado, Guilherme faz um pouco de tudo. O meu trabalho é ser o “engineer” aqui do estúdio. Faço tracking, (gravação), mistura e eventualmente masterização. Muitas vezes, acabo por fazer trabalhos de produção e co-produção, explica.

Perceber a funcionalidade de uma música não é, seguramente, um exercício simples. Cuidadoso, exigente e minucioso, Guilherme envolve-se por vontade própria no enquadramento produtivo de alguns projetos que acompanha para sentir e absorver o seu potencial. Ao entender isso, espontaneamente acabo por fazer um trabalho de cooperação no momento da gravação. Agora, mais recentemente, também tenho vindo a fazer um trabalho de produção mais dedicado. Nesse processo de limar arestas, surge a oportunidade e o espaço para ainda melhorar algumas coisas. E isso é muito bom. Haver uma parte em que se pode sempre incluir algo mais.

Com uma predileção especial pela guitarra elétrica, o percurso do Guilherme movimentou-se entre bandas e projetos, destacando Galadrop e, mais recentemente, o seu projeto a solo onde, segundo o próprio, existem mais explorações em termos de textura e melodia, sobretudo em guitarra elétrica. Esse projeto chama-se “Coclea”.

O que permite, na verdade, encontrar esse balanço que oscila entre a criatividade e a racionalidade? Estar disponível e bem-disposto com o que está a acontecer com a banda. Procurar uma sincronia. Depois a criatividade surge naturalmente, se tudo estiver bem alinhado.

Ponderação, pensamento crítico, pragmático e prático, são qualidades presentes e exigidas. No entanto, é a grande disponibilidade criativa que impera, porque ao fazer música – seja a tocá-la, em termos performativos ou a gravá-la – apesar de haver algumas regras, cânones, coisas pré-definidas, é altamente subjetivo e essa subjetividade está sujeita aos ouvidos de cada um.

http://cargocollective.com/guilherme-goncalves

Texto: Teresa Melo

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