DESISTO: Aqui criam-se identidades

Praticam o experimental para criar o extraordinário do design gráfico. Cruzam disciplinas, ideias, gravuras, formas, papel e música em justaposições que de outra maneira não estariam ligados. Ricardo Martins, Margarida Borges e José Mendes são o estúdio Desisto e usam o exploratório como matéria-prima.

Desistir do quê? “Desistir um bocadinho de trabalhar para os outros, da vida de agência, das coisas que não concordamos, das formas de trabalhar e de ver o design. A realidade é que começamos a pensar que essa pergunta é que gera a pergunta que é”, refere Ricardo. A Margarida caracteriza essa primeira fase como uma fuga à realidade do trabalho e, ao mesmo tempo, a alavanca para produzir ora com os amigos, ora com quem ainda não conheciam, mas por quem tinham admiração. Sempre com a premissa de aprofundar despreocupadamente o que já existia. “Em 2015 começamos a pensar seriamente em abrir um estúdio, em dar uma nova vida a isto e falamos com o José para abrirmos um atelier em conjunto”, explica a designer.

O restaurante Butchers, no Parque das Nações, foi o trial para perceber se os três falavam a mesma língua. A partir daí, “avançamos a sério e assumimos a identidade da Desisto como um estúdio de design gráfico, com toda a parte de edição de risografia, mas mantendo a componente de editora e até uma vertente mais educacional”.

Experimentar as máquinas e apostar no cariz táctil e consistente do produto final. As possibilidades são inúmeras. “Às vezes, simplesmente temos uma ideia do que queremos concretizar e fazemo-lo por nós, como projectos que iniciamos”. Outras, é o cliente que os aborda para criar uma identidade, um livro, um disco ou uma produção gráfica. “Dependendo do briefing, do que há para resolver, vemos qual é a maneira mais adequada de responder a isso”.

Quis a estrutura pequena que a visão de equipa fosse a de uma célula multifacetada, “até porque há uma série de coisas que cada um faz. Então é deixar o ego em casa e tentar fazer com que isso ganhe mais numa perspectiva de unidade”, acrescenta o Ricardo. A Desisto é multidisciplinar no maior alcance do conceito, apontando no sentido da potencialização dos projectos que abarcam, desde a criação de conteúdos, edição, curadoria, produção e acompanhamento. Os três pensam, os três conversam, os três decidem porque, embora as valências sejam distintas, o objectivo é comum: a identidade do estúdio.

Para o José há, no entanto, certas componentes obrigatórias. “Por um lado, a tipografia que é fundamental para o pensamento do processo de desenho de cada projecto. Por outro, de como as coisas vão evoluir para a parte de produção e se necessitam, por exemplo, de um site ou outra peça”. O trabalho acaba por ditar o resto. Expande-se em vários nichos e realidades, servindo-se sobretudo como complemento de músicos, ilustradores e outros artistas. Por exemplo, o Ricardo e a Margarida já traziam consigo a produção de uma série artworks, incluindo o segundo disco dos Papaya. “Isto vem muito de fazer música e pela maior parte dos nossos amigos estarem dentro desta área”, comenta o Ricardo.

Pela estética e pela independência, trabalhar com e para a música tem essa benesse libertadora e é um dos lugares que a Desisto gosta de habitar. Logo, chegou Cavalos Vapor da Joana Guerra, numa linguagem completamente diferente do seu álbum anterior.

Por sua vez, o disco Mudra do músico Marco Franco soube àquela descoberta que permitiu à equipa jogar com papéis diferentes e formatos fora do habitual. “Um bocado na lógica de ver e fazer consoante o custo e a qualidade da peça em si. Então, acabamos por fazer coisas fora do mundo do design. Fomos nós que cortamos os discos a laser, que colamos e que fizemos essa montagem. A cena de trabalhar com a música vem um bocado por aí, no facto de estarmos habituados a fazer muito por nós próprios”, explica o Ricardo.

O universo dos cartazes já é um “playground diferente”, descreve a Margarida. Pela efemeridade que sugere, existe mais espaço para testar. Do Musicbox ao Sabotage, “também fizemos algumas coisas para o Damas com quem gostamos muito de trabalhar”, acrescenta. Neste momento, têm o compromisso bimestral das noites Aliōs com o Lux Frágil.

“Essa lógica de construir um fato à medida é super fixe”, diz o Ricardo. Um pouco como encontrar a harmonia entre a solução e a loucura criativa. E acrescenta que é fundamental ter atenção aos custos. “O designer está sempre a consumir recursos. Então, é pensar também nisso, na nossa pegada.” Para a Margarida passa muito por encontrar maneiras mais engenhosas de olhar para um projecto como um todo e que beneficie toda a gente.

O design gráfico está a sair da puberdade e começa agora a aprender o valor de ser destemido. Quando se perde o medo, contamina, como uma espécie de beat que vicia e de que é tão difícil parar de ouvir. Se desistir é para avançar, então que seja sempre assim.

acompanha o trabalho do Desisto no facebook: @desisto.pt

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por: Teresa Melo
fotografia: Desisto

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