Roadies rock! Entrevista ao Pedro Borges e ao Rogério Xavier

Um concerto ao vivo é a alma da música. Mas não só de artistas se faz um bom evento. Atrás de uma performance, há sempre uma crew que proporciona todas as condições para que o melhor momento se concretize. Pedro Borges (38 anos) e o Rogério Xavier (43 anos) são roadies de profissão e apoiam os nomes mais fortes da música portuguesa.

Bem-vindo ao mundo dos roadies:

Há pessoas que vêm o roadie como o amigo que ajuda, o puto que carrega o material, refere o Rogério. Contudo, envolve muito mais do que se conjetura. Multifuncional e resiliente, um roadie deve ser pleno em capacidade de improviso e profissionalismo. O roadie cuida diretamente do músico em palco e do equipamento que lhe pertence. Cuida do transporte desse equipamento para as salas de ensaio, para os locais do espetáculo, faz toda a sua manutenção e dinamização para que o espetáculo seja feito, sintetiza o Pedro.

As possibilidades de entrar nesta área são abrangentes e distintas entre si. O Rogério tirou um curso de som e começou por trabalhar no Teatro São Luiz (Lisboa), apoiando companhias amadoras de teatro. Entretanto, surgiu a oportunidade de fazer um backline com o João Pedro Pais, no lançamento do seu primeiro disco. A equipa com quem eu trabalhava no São Luiz passou a ser a equipa de som do João Pedro e foi a escolhida para fazer aquela tournée. Havia uma vaga para backline e eu fui com eles fazer isso. A partir daí, fiquei, menciona. A curiosidade e a vontade levaram-no à procura pelo aperfeiçoamento e, logo chegou a ocasião para integrar uma empresa de backline em emergência naquela altura. Fui o primeiro empregado dessa empresa. Entretanto saí. Hoje é freelancer, mas continua a trabalhar como roadie.

Eu também tirei um curso na altura, sem alguma direção, conta o Pedro. Sabia que queria estar ligado à música, mas andava meio perdido. Acabei por tirar esse curso, o qual nunca fiz nada com ele. Por conhecimento de algumas pessoas que estavam ligadas à área e a essa empresa de backline, Pedro propôs-se como freelancer. Deu os primeiros passos em substituições de colegas, até ser finalmente convidado para ingressar nos quadros dessa empresa. Lá fiquei alguns anos, e o Rogério e eu acabamos por sair ao mesmo tempo. Já tínhamos o projeto do nosso estúdio e desde então, todo este percurso foi ligado a bandas, sem nunca ter deixado de trabalhar com as quais já trabalhava.

A gestão de uma agenda oscilante:

O calendário de um roadie tem uma índole muito própria: é sobretudo imprevisível. Quando és freelancer, podes ter trabalho este mês e no próximo não. Como já conhecemos essa realidade, trabalhamos em função disso, explica o Rogério. Sabes que de Julho a Setembro vais ter três meses bons e que te vai sair do pêlo. Mas também sabes que em Janeiro, Fevereiro e Março não vai haver grande coisa. Tens de saber gerir isso – principalmente a parte financeira – para conseguires viver assim.

Pedro acrescenta que tem muito que ver com os propósitos de vida de cada um. Se fores uma pessoa com muita necessidade financeira e que tenha como objetivo a aquisição de bens, então tens de arranjar um trabalho mais bem pago. No entanto, nos meses mais fracos de trabalho, também tens a oportunidade de pôr em marcha alguma da manutenção e reintegração do próprio equipamento da banda com quem estás a trabalhar, assim como os teus próprios objetivos pessoais, como eu que tenho o restauro das baterias, alguma venda de instrumentos musicais vintage e toda a gestão do estúdio.

E como se estabelece o compromisso com as bandas? Há duas vertentes: temos os artistas fixos a quem damos prioridade e que nos dá prioridade, clarifica o Rogério. Por exemplo, eu trabalho com a Ala dos Namorados há muitos anos, desde o “Solta-se o Beijo”. Também estou a trabalhar com a Ana Moura. O número de espetáculos dela por ano é elevado e precisa de uma prioridade. Então sobrepôs-se a Ana como o meu artista prioritário à Ala, embora seja tudo conversado com antecedência. Na eventualidade, Rogério apoia ainda o Jorge Palma quando toca com banda e os Led On.

A justaposição dos eventos e o conflito de datas é habitual e isso acontece com todos os roadies. Então, tu contactas colegas para te poderem substituir e que poderão ser pessoas que também já conhecem a banda e os músicos, justifica o Pedro. Numa indústria musical tão pequena como a de Portugal, acabas por trabalhar com quase todas as bandas que estão no mercado, por questões de substituição. Depois tens as tuas próprias bandas a quem tu dás prioridade. No meu caso é o The Legendary Tigerman, o Sérgio Godinho e o David Fonseca. Tudo o resto são marcações pontuais.

A espontaneidade em tour:

Segundo o Rogério, os dias são sempre diferentes uns dos outros. Basicamente, se tens um concerto de uma banda tua, tens de te levantar cedo, ir buscar o material nesse dia ou na véspera, conduzir até ao local do espetáculo, ir para o palco e montar tudo para que, quando os músicos chegarem, estar consoante a sua vontade. No fim do concerto, é o sentido inverso: arrumar e ir embora.

Durante o concerto, dás apoio aos músicos ou à parte dos músicos que te compete, adiciona o Pedro. E vai desde a afinação dos instrumentos, à assistência aos materiais, da bateria ao amplificador, um pedal ou até à falta de água no palco. Todos estão em constante alerta, porque durante 1h30, estás ali para criar e servir um espetáculo que tem um público à frente. Tens de salvaguardar e dar seguimento às situações para que o músico não tenha de se preocupar com todos os percalços que possam acontecer.

No fim, é simplesmente muito amor pela música:

O maior desafio desta profissão é o seu crescimento contínuo. O que mais me apraz é, sem dúvida, a preparação de uma banda para ir para a estrada, partilha o Pedro. E também perceber toda a parte técnica, adiciona o Rogério. Por exemplo, há coisas de eletrónica que tens de saber, sem nunca teres estudado eletrónica. Às vezes é uma aventura. Ter conhecimento absoluto de todo o material com que tu trabalhas é impossível.

Uma boa dose de extravagância e loucura balanceada com seriedade, é o fundamental. E não esquecer nunca que esse equipamento pertence aos músicos e aquilo é o seu ganha-pão. Ter em mente que outras pessoas dependem de ti e tu dependes delas. É esse o nosso foco.

Texto: Teresa Melo
Fotografia: 2ª e 3ª por Filipe Feio

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