Viseu tem um novo dialecto: chama-se Carmo’81

Desde 2015 a agitar a Rua do Carmo com o dialecto da cultura urbana é coisa que Viseu já se habituou. Carmo’81 tem tudo e tanto em simultâneo. Uma galeria de arte, um laboratório de fotografia, uma cinemateca alternativa, um palco para concertos, uma loja em segunda mão, um pátio e um lince ibérico de cinco metros de altura feito pelo Bordalo II. Espaço multidisciplinar, metamórfico, atrevido. O Carmo’81 é o ex-libris da cultura a manifestar presença no Norte e a inspirar o resto do país.

“De marreta e ponteiro na mão, a trabalhar com trinchas, pás e betoneiras, um grupo de amigos recuperou uma antiga e abandonada fábrica de motores de rega e alfaias agrícolas à entrada do centro histórico”, explica o Nuno Leocádio, o programador deste espaço. E bem-dita seja a visão e a vontade quando se conciliam com muitos braços, pois a cidade já mostrava a todos que merecia o seu reconhecimento. “Fizemo-lo porque fomos inspirados por toda a fantástica produção independente de Viseu e que nos provou que havia público”.

Querer fazer o que se gosta como motor para saber resolver e acontecer. O Carmo’81 é uma grande família de cineastas, fotógrafos, designers, animadores socioculturais, professores e técnicos de som. “Mas para falar de família não podemos falar apenas dos irmãos de armas, devo também referir os primos com quem brincámos ou vamos brincando com parcerias de quando a quando como o Cine-Clube de Viseu, a Associação Gira Sol Azul, a banda Galo Cant´Às Duas, o Festival de Jazz de Viseu, o Shortcutz Viseu, o Maus Hábitos, todos os agentes e artistas com quem nos relacionamos”, refere Nuno. Além disso, e porque um bairro é feito de vizinhos, “não sendo da família, são aqueles amigos compreensivos, simpáticos e sorridentes. O nome Carmo’81 é uma homenagem à rua e a quem a habita”.

Respeita-se a escala de Viseu e as condições deste espaço para “manter uma programação diversa e alternativa enquanto o público, o nosso principal patrocinador, nos permitir”, diz. Além disso, “é verdade que Lisboa e Porto são e continuarão a ser os principais núcleos de produção e promoção cultural, mas Braga, Coimbra e Leiria têm algo a dizer sobre isso e Viseu também quer dar o ar da sua graça, como já o fez”.

Para começar, proíbe-se desde logo o discurso do interior ostracizado e abandonado. “O que é preciso compreender é a dimensão, a potencialidade e a fragilidade da realidade de uma cidade do interior”, por isso o Carmo ’81 tem na sua base uma programação que se move e que se reinventa entre diferentes ciclos e perspectivas. Até Outubro deste ano, por exemplo, decorrer o “Solos & Solidão” que engloba várias artes desde o cinema, teatro, artes plásticas, fotografia até à música. Prima-se pela originalidade e uma certa extravagância. “Gosto de recordar a semana em que recebemos os Best Youth e no fim-de-semana seguinte um gig com os Killimanjaro. Ir do 8 ao 80 é tão bom.”

Então, e o estado da música portuguesa? Para o Nuno, “com identidade, sem vergonha, com boa imagem, comunicação e apresentação”. Aproveitar a criatividade do que está a ser produzido a nível nacional é a premissa para continuar a desenvolver o trabalho dos últimos anos. Assim, o Carmo’81 foi um dos spots escolhidos para integrar a #2 e a #3 edição da Super Nova.

Assumidamente, o Carmo’81 é a prova que fora dos grandes pólos existem pequenos palcos com o mesmo peso. “Continuar a melhorar as condições técnicas do Carmo´81, nomeadamente comprar um PA (sim o Carmo faz “omeletes sem ovos”, ou seja, concertos sem PA próprio e isso tolhe-nos os movimentos)”, objectivo número 1. “Trabalhar mais com solistas, não por teoricamente ser mais barato ou de fácil produção, o mote é precisamente ver a coisa ao contrário, um solista é um ser único em coragem”, objectivo número 2. “Continuar a fazer o que mais gostamos”, objectivo número 3.

Ao vivo proporciona-se um lugar de interacção entre artistas e a comunidade, “porque representam-na nas suas obras, não se cruzam, complementam-se porque tudo é cultura ou falta dela”, explica. No entanto, “Viseu precisa de saber criar regularidade na produção artística, promover dignidade entre todos os envolvidos nessas criações, saber combater a emigração nacional e internacional que nos rouba público, artistas e massa critica. Para isso é preciso promover empregabilidade e estabilidade, ou seja, valorizar o recurso endógeno mais valioso de todos, as pessoas”.

http://carmo81.pt/

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por: Teresa Melo
fotografia: Carmo'81

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