Sérgio Pedro: Todos os frames.

O que é que o faz ser bom montador? A paciência e a observação. Em cada frame, Sérgio Pedro tira as melhores imagens e dedica-lhe toda a atenção para que representem o que somos, o que vivemos.

Cresce entre Alcântara e Ajuda no pináculo dos anos 90. Vivia-se o o período dos tazzos, do Beavis and Butthead, do Nokia 3310 e, nas suas palavras, da música boa. “Foi também uma altura pesada em Lisboa. Havia muita droga, principalmente naqueles bairros, que não era nada fácil. Quando ia para a escola ia sempre com um olho por cima do ombro”.

Aos 17 anos decide ir trabalhar. “A minha mãe, que sempre aceitou as minhas decisões, olhou para mim com aquela cara linda de morrer e disse “a sério?”, ela sabia que não ia durar muito tempo”. Da mecânica à informática, Sérgio passou dois anos a saltar entre empregos. “Houve um dia que me lembrei que na minha adolescência fazia uma coisa super engraçada. Gravava cassetes de VHS e misturava os filmes uns com os outros. Aí achei que se calhar o que gostava mesmo era de vídeo".

Sérgio admite ter uma espécie de patologia pela música. Como se tivesse sido diagnosticado desde miúdo. “Nunca toquei nenhum instrumento, mas sou mesmo doente. É onde gasto o meu dinheiro todo”. Inscreve-se na Escola Profissional de Comunicação e Imagem (EPCI) em Lisboa para estudar audiovisual e aos 23 anos muda-se para Barcelona para estudar cinema na área da montagem de vídeo e de som. “Foi aí que comecei a fazer umas curtas-metragens, mas fazia de tudo um pouco. Na realidade, já trazia alguma experiência de Lisboa. Geralmente pensamos que as nossas escolas são uma merda, que não nos ensinam nada, mas quando cheguei lá, a Barcelona, já levava alguma bagagem”.

De volta a Lisboa, Sérgio colabora com algumas pós-produtoras até deixar-se levar pelas circunstâncias e ser freelancer. Por aí ficou. Seja no cinema, publicidade ou videoclipes, a montagem é e será sempre a espinha dorsal de qualquer peça. “São experiências, idealizações que as pessoas querem pôr em vida e mostrar aos outros. Tens de transformar e sentir aquilo que a personagem está a sentir. Perceber o que está a acontecer e para o trabalho se tornar mais real, tens que tentar estar na pele daquilo que estás a fazer”.

Cortar, colar e ajustar histórias, porque todas elas tem a sua relevância e a montagem é sobretudo isso, a relação entre o momento, o tempo e a existência. “Gosto muito de estar ali, na sala escura, a escolher reacções. Todas trazem emoção consigo, por isso são todas bonitas”. O filme “O Dia Em Que a Música Morreu” (Bruno Ferreira, 2016) é um dos melhores exemplos que, mais do que físico, foi emocionalmente pesado porque “passou ali numa fase de transformação da minha vida”, conta Sérgio. “Eu e o Bruno decidimos fugir de Lisboa e ir para Montargil. Um amigo nosso tinha uma casa aí e ficamos por lá”.

Os mineiros de Aljustrel eram os protagonistas de uma narrativa documental visualmente forte. “Gosto de viver as experiências dos outros e sou mega observador. Quero absorver tudo e isso ajuda-me no meu trabalho”. Conheceu, conversou, olhou, aprendeu. Incansável, esteve sempre presente durante a rodagem porque queria sentir aquelas pessoas que trabalhavam nas minas, 24h por dia, “sabia que ia ter influência no meu trabalho”. O resultado acabou por tornar-se superior do que o propósito inicial. A curta-metragem estreou no DocLisboa em 2016 e, “lá estávamos nós, no cinema São Jorge, quase na última fila, meio escondidos. Emocionamo-nos os dois. Foi assim um projecto bem forte, mas mesmo bonito quando o vi”.

O mesmo acontece quando está de volta dos telediscos. Agora, com uma gramática visual fácil de reconhecer, o montador construiu nos últimos anos um portefólio espantoso. “Quando fiquei freelancer, descobri que as pessoas afinal conheciam o meu trabalho e não tinha a mínima noção. Mas quem é que conhecia o Sérgio Pedro que está fechado numa sala 14 ou 15h por dia? Afinal sim. Fiquei feliz e comecei a ser chamado”.

O documentário “True” (The Legendary Tigerman, 2014), “The Lioness” (Keep Razors Sharp, 2015), “Don’t Touch My Soul” (Da Chick, 2015), “Tens Os Olhos de Deus” (Ana Moura, 2016), “Love, Love, Love” (Moullinex, 2017) e são só alguns. O de eleição? “O videoclipe do “Volta” dos Linda Martini continua a estar no top”, afirma Sérgio.

Um bom montador é aquele que se dedica aos planos soltos de uma história para a contar em infinitas formas diferentes. É aquele que explora todas impressões e vulnerabilidades até nos chegarem ao coração e revermos nelas. A visão é única e é impossível não querer tê-la para nós.

acompanha o trabalho do Sérgio aqui: http://cargocollective.com/sergiopedro

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por: Teresa Melo
capa: Paulo Madeira
fotografia: Richard F. Coelho

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