Maternidade: a mãe da nova geração sonora chegou

O processo de agitação em curso dentro do circuito da música independente está mais do que confirmado e a Maternidade é um dos seus principais “provocadores”. Na promotora e agência de Rodrigo Soromenho (Vaiapraia & As Rainhas do Baile), Filipe Sambado, Luís Severo (ex-Cão da Morte), Rodrigo Castaño, Lucía Vives, Rita Romeiras e Raquel Serra, não há medos e é na ação vs. diálogo que este projeto tem ganho a musculatura necessária para criar história.

Estavam em Outubro de 2014 quando surgiu a primeira ideia. Este grupo de amigos, que também são músicos ou que mantém uma relação full-time com a música, quis e e fez acontecer: dar espaço de apresentação aos atos emergentes. No início fazíamos concertos, começamos a agenciar, entretanto a Raquel juntou-se há dois anos e a partir daí passamos a ter várias valências, como o booking internacional, explica o Rodrigo Soromenho.

Não fosse a ligação entre todos os membros a da energia por contágio e o entusiasmo efervescente e nada disto seria possível. Hoje, a Maternidade já tem o estatuto de associação. Ainda somos uma coisa muito contingente, que vai mudando e o objetivo é mesmo esse, ser uma plataforma-empurrão, acrescenta Rodrigo. Por exemplo, o Luís Severo até há um ano estava agenciado connosco, agora já é agenciado pelo Joaquim Quadros.

As noções claras entrelaçam-se com uma filosofia de inclusão e representação muito robusta que se molda no espaço e no tempo, no sentido em que não somos indiferentes a uma data de questões e que tudo é política. Na tentativa de quebrar construções normativas de género e sexualidade, há uma insígnia que se levanta na música que estes miúdos e miúdas criam, partilham, distribuem e apresentam. Por isso tentamos estar sempre atentos e a questionar como e o que fazemos, diz Filipe Sambado. Visivelmente acaba por ser mais notório o trabalho enquanto promotora e agência, mas desde cedo houve esta preocupação em pôr em causa uma série de assuntos que condiciona, no bom sentido, a escolha dos artistas com quem trabalhamos, refere.

Sem rodeios, a Maternidade alinha-se com o movimento transfeminista e defende uma sociedade sem géneros baseada na participação global e igualitária entre as várias pessoas que estão envolvidas na cena musical. As noites da Maternidade no Damas desde Maio de 2015 representam esse mesmo espírito, cuja residência mensal aposta numa programação plural. Contraria-se o paternalismo institucionalizado, enquanto se combate a secundarização e a objetificação da mulher. Desde que não haja um deal break em termos de conduta ou mensagem, é tudo bem-vindo. É mais por inclusão do que exclusão, explica Sambado.

Para o Rodrigo Castaño, hoje há de facto mais espaço para a exploração e isso também se reflete na criação musical. É um sinal dos tempos. Tenho a sensação que hoje se dá outra vez mais valor à música portuguesa e isso vê-se nas rádios ou em festivais. Naturalmente, as pessoas tendem a encher esses vazios. No entanto, as oportunidades continuam limitadas e a verdade é que a partir do momento em que decidimos tocar num NOS ALIVE ou num Mexefest, vamos ter sempre de lidar com contradições. É uma espécie de acordo, um compromisso.

Unindo todos os esforços que o independentismo carrega – e sublinha-se aqui a falta de apoio financeiro - a Maternidade acolhe uma série de filhos adoptados: April Marmara, Calcutá, Filipe Sambado, Flamingos, Hércules, Jasmim, Lucía Vives, Luís Severo, Marcelo, Perdido, Ninaz, Vaiapraia e as Rainhas do Baile e Veenho – e a tendência é a de aumentar a família. A nossa preocupação é sempre igual: o que é que vamos fazer para que os nossos artistas não percam dinheiro?, diz a Raquel Serra. Porque de facto, persiste um elemento importante. Nas palavras do Sambado, a cultura não tem de ser paga, os artistas é que devem de ser pagos. O que eu faço vale a vontade que eu tive de a fazer. Ninguém vive do ar.

Ser novo ou ser independente não significa amadorismo, antes liberdade e criatividade. Na Maternidade o trabalho contínuo não será nunca uma questão de idade ou grau de profissionalização, mas de atitude. A música, essa, será sempre tão importante quanto o movimento.

facebook: @maternidadelisboa

-

por: Teresa Melo

Partilhar