Lux Records: Quanto de Rock cabe em Coimbra?

Estávamos em 1996. Saímos da capital, mudamos de cenário, o país era o mesmo. Como podia o coração do rock ferver à distância de Lisboa? Desobediente e com muita ousadia para encontrar em Coimbra o refúgio alternativo e estabelecer-se. A partir daí, Rui Ferreira e a sua editora Lux Records têm dado a conhecer o melhor da música coimbrense - e não só.

Comprou o primeiro disco aos 17 anos e, daí para a rádio, foi rápido. “Tudo começou naquelas rádios pirata. Era a Nova Rádio de Coimbra”, conta Rui. “Entretanto com as legalizações das rádios, essa terminou e fui tirar enfermagem. Durante o curso não fiz nada”. Mas por pouco tempo. Recém-licenciado, inscreve-se na Rádio da Universidade de Coimbra (RUC) onde ocupou todas as posições e cumpriu todas as tarefas: jornalista, tesoureiro, presidente da direcção e director de programas. “Trabalhava 35h por semana no hospital e outras 35h na rádio. Foi óptimo porque conheci a rádio como ninguém”. Há mais de 20 anos vinculado à música, Rui foi manager dos Belle Chase Hotel, de Wraygunn, do The Legendary Tigerman e de Sean Riley & The Slowriders, “sempre em paralelo com a enfermagem, o que complicava ainda mais as coisas”. Em 2016, finalmente, viu que a música era mesmo o melhor remédio.

Nos corredores da rádio conheceu o lendário António Cunha, pioneiro da música de dança em Portugal e mentor da Kaos Records. Ainda estava na RUC quando António o convidou para explorar um conceito novo. “A Kaos era mais virada para música de dança e ele queria fazer um projecto que envolvesse música mais alternativa”. Assim nasceu a Lux Records acompanhada pela edição de três discos: “10 Anos Sempre no AR! (Rádio Universidade de Coimbra, 1996), “LoudCloud” (António Olaio & João Taborda, 1996) e “Outer Space Shit” dos Tédio Boys, que acabou por não sair.

“Tenho de gostar da música, em primeiro lugar. Se não gostar, não faz sentido”. Quando Rui começou a trabalhar com The Legendary Tigerman, nada antevia a complicação. “Nenhuma editora portuguesa o quis e falei com várias. Os Wraygunn já faziam parte da Valentim de Carvalho e, mesmo assim, recusaram-no. Depois de editar três discos, lá perceberam e quiseram o “Masquerade”. O primeiro disco teve uma edição espanhola, uma distribuição em França e o Furtado foi tocar ao Japão. Melhor do que isto é difícil. Por isso, às vezes é preciso ter a convicção de que está ali um produto diferente e bom”.

Hoje a família da Lux Records é colossal e o catálogo de luxo. Belle Chase Hotel, Tédio Boys, Legendary Tigerman, Sean Riley & The Slowriders, D3O, Wraygunn, Bunnyranch, Tiguana Bibles, Ruby Ann & The Boppin’ Boozers, É Mas Foi-se, Ghost Hunt, António Olaio & João Taborda, Azembla’s Quartet, Victor Torpedo, Tracy Vandal, Bodhi, The Walks, Millions, Wipeout Beat e Raquel Ralha & Pedro Renato. Mais recentemente juntaram-se os Mancines, os Birds Are Indie, os Twist Connection e os A Jigsaw. Fora dos limites geográficos de Coimbra, Rui editou em vinil “Feeding The Machine”, o primeiro disco dos X-Wife; o décimo segundo álbum dos Mão Morta, “Nus”; o “Bluezebu” dos Born a Lion, “Aurora” dos Madame Godard, “True Life Is Elsewhere” dos Houdini Blues e até “Trouble Loves You” dos norte-americanos Swell, num exclusivo em vinil.

A somar as inúmeras edições em vinil desde a abertura da editora, se há quem diga que este formato is getting its groove back, para Rui nunca deixou de existir. Em Portugal nos anos 90, especialmente entre 1994 e 2000, estava de facto em vias de extinção. “O meu primeiro programa de rádio na RUC em 93 chamava-se “Os Últimos Dias Do Vinil”. Fui obrigado a comprar CD’s porque não havia aquela edição que eu queria em vinil, por isso tive de adaptar-me. Mas também percebi que era uma fase. Se as coisas são boas, não morrem”.

Parte disso pode ser atribuída à nostalgia – ou a uma espécie de “retromania”. Começa a insurgir-se na nova geração o redescobrimento do vinil que até poderá equilibrar-se com o nicho dos melómanos coleccionadores cujo senso de identidade é ainda muito sustentado por prateleiras preenchidas com discos. “As pessoas que, por exemplo, gostavam dos Tédio Boys viviam numa altura quando se compravam discos, é normal que ainda hoje comprem. Agora, o que tenho notado, como tenho a Lucky Lux, a loja de discos, consigo perceber que há de facto muitos miúdos a comprarem vinil e acho isso espectacular. Por isso é que cada vez mais editamos em vinil, e não é à toa”, refere. “As majors como a Sony ou a Universal durante mais de 20 anos não quiseram editar em vinil. Inclusivamente até cediam os direitos a pequenas editoras como a Rastilho para o fazerem. Por exemplo, a Valentim de carvalho cedeu-me os direitos dos X-Wife para editar o vinil”.

Coimbra, o que fizeste ao rock? O desassossego lá continua “porque há pessoas talentosas, embora seja preciso haver um incentivo”. Por um lado, “ter alguém que edite os discos, que as ajude”. Inevitavelmente, todos os discos actuais da Lux têm promotoras de Lisboa, porque é a única forma de chegarem mais longe. Por outro, persiste a carência de espaços para tocar ao vivo. “Por exemplo, na Queima das Fitas raramente há uma banda de rock de Coimbra a tocar. Não é uma coisa dos estudantes, eles querem outras coisas”.

As pessoas é que fazem a cidade. Foi o que aconteceu com Coimbra. A música que se continua a criar aqui está de boa saúde e nunca nos cansaremos de ouvir as histórias por detrás das músicas que as fazem sentir vivas. A história do Rui é a da Lux Records e confunde-se com a história do rock português.

Estás em Coimbra? Passa pela Lucky Lux – Record Store:

Rua do Sargento-Mor, 11 // T. 239 067 788 // seg-sex 10h30-19h, sáb 10h-13h

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por: Teresa Melo

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