FLUR | Os discos que nunca deixaram de existir

E os discos de vinil continuaram a fugir ao desprezo do tempo. Contrariando a rapidez das coisas, ali estavam eles, nas calmas, em lojas, feiras e prateleiras dos que sempre acreditaram que eles nunca iriam morrer. A FLUR Discos é um desses lugares. A FLUR, esse clássico na capital, celebra o seu 17º aniversário este mês. Um bem-haja!

Quem, onde, como, quando e porquê?

Bem lá atrás atrás. “Assim mesmo a sério aos 9 anos”, conta Zé, o dono da FLUR. “Fazia listas, ouvia regularmente um programa de rádio quando vinha da escola e ficava à espera das músicas que gostava para tocar no botão de gravação”.

Como é que isto era mais sério do que um passatempo? Pela maneira como a música o cativava, sem nunca ter aprendido a tocar qualquer instrumento. “Não sei dizer exactamente como. Acho que foi qualquer coisa que faz a pessoa entrar na música mais a sério. Que bate e tu não sabes muito bem se é o ritmo, se é a voz ou se é a letra”, explica. Alimentava-se da diversidade disponível e soube que gostava de música como uma unidade e não de um género só. “Lembro-me de ouvir as cassetes que haviam lá por casa e que iam desde os Abba, que é disco e super comercial aos Creedence Clearwater Revival, Suzi Quatro, Elton John ou Supertramp. Era uma palete sem critérios”.

A FLUR abre em Dezembro de 2001 com a música electrónica a fervilhar nas veias, quando ainda muito pouco se sabia o que isso era e o que significava para os seus seguidores. Foi essa a grande bandeira do projecto. A música electrónica definida no seu sentido mais abrangente. Dança, house, techno, experimental, noise, ambiental. “Tentamos representar todo o espectro da melhor maneira”. O pop/rock logo a par, e ambos os géneros em quantidades reduzidas porque a dimensão da loja assim o obriga. “Há sempre aquele compromisso entre o melhor para nós, o que gostamos mais e aquilo que também pode vender. Temos de ter um olho em cada sector”.

Em 2007, o Márcio e o André juntaram-se à família. Naturalmente, o conceito foi mudando conforme os tempos e as pessoas que fazem parte da equipa. No entanto, entre as flutuações habituais, a política manteve-se consistente. A prioridade sempre foi a música com que se tem mais afinidade, “aquela que conhecemos melhor, acreditamos mais e que no fundo é a que sabemos vender”, justifica.

Na maturidade entram os anos, mais discos e com eles a confiança dos clientes. Uns que estão desde o início, outros que apareceram no caminho. Depois, obviamente que a atenção recai no mercado e às suas flutuações. “Numa estrutura tão pequena, quem esteja cá ou não esteja, faz a diferença, porque é mais um gosto particular a acrescentar aos outros. A única consideração é não vendermos música que nos envergonhe. É tão simples como isso”.

' Ainda se fazem discos? '

As razões continuam um tanto subjectivas à actualidade. “Creio que o primeiro género onde o regresso do vinil se notou mais foi o rock independente”, diz o Zé. As edições limitadas, os posters e o artwork especial começaram a cativar novos compradores. “No início notava-se que as pessoas de meia-idade, ligadas ao indie rock desde miúdos, voltaram a perceber que há mais discos desse género no mercado, se calhar até discos que nunca tiveram, porque na altura delas só havia em cassete. No meu caso, por exemplo, comprei neste século vários discos que ouvia quando era adolescente”.

Há esse lado, mas também há o da geração de DJ’s que escolhia o vinil como o formato superior. “Acho que o mp3 só tirou realmente compradores de vinil mais para 2005 ou 2006. Aí é que notamos mesmo. Como também passo música como DJ, acho muito mais prático. Desde a organização em casa até à parte final de tirar um disco para começar a tocar. Vários clientes que são DJS fartaram-se do digital, porque é um caos completo. Chegavam ao dia do gig, tinham um montão de músicas e “agora por onde é que eu começo?”. A vantagem é que tens toda a música que queres e inclusivamente durante o set podes comprar uma que te lembres”.

Clássicos, usados, originais, contemporâneos e novidades. Havia gente que passava pela loja, via os discos pendurados na parede e perguntavam “ainda se fazem discos?”. Felizmente, os discos nunca deixaram de existir. Na FLUR são os nacionais que suplantam. Qualquer disco da Príncipe, uma das editoras ligadas à loja, atinge quase sempre o primeiro lugar. Há uns anos, uma compilação de música cabo-verdiana editada pela Ostinato Records, a Synthesisze your Soul Astro-Atlantic Hypnotica from the Cape Verde Islands 1973-1988, também bateu recordes. “Além disso, discos de artistas como B Fachada ou Norberto Lobo vendem sempre muito bem”.

' Apesar da facilidade em ouvir música, toda a gente precisa de um filtro '

Uma das ilusões criadas pela tecnologia é a fronteira ténue entre a acessibilidade e a notoriedade. Ela existe mesmo. “Qualquer pessoa no seu quarto faz um upload e já está acessível a qualquer parte do mundo. Mas quem é que sabe que aquilo existe? Passado um tempo, vais perceber que não chega. Tem de haver um impacto qualquer. Uma presença viva”.

Somando os anos ao hábito de ler as listas de novidades sonoras, normalmente é assim que prefere descobrir música nova, “porque apesar da facilidade, toda a gente precisa de um filtro, alguém em quem confiar, senão não te consegues orientar”. A partir daí é uma gama incomensurável e, às tantas, já se mergulhou no universo musical.

A FLUR trabalha nesse sentido. “Das melhores coisas que podemos ser enquanto loja é funcionar como esse filtro para as pessoas que vêm cá”, sublinha. Cá entre nós, o cenário português é lustroso e os quase vinte anos da FLUR são o contributo valioso para esse património. O discos de vinil nunca vão deixar de existir. E ainda bem.

http://www.flur.pt

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por: Teresa Melo
fotografia: Flur Discos

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