Uma canção vale quantos direitos?

Todas as criações musicais têm um início em comum: a ideia. Ainda que pequena, vai crescendo a par com os serões em casa ou no estúdio. Aos poucos, transforma-se numa coisa mais concreta. Ganha corpo. É gravada num disco, salta para o palco. Já existe. E agora?

1 canção x 3 direitos

Luís Sampaio, o Vice-Presidente da Gestão dos Direitos dos Artistas (GDA) explica que historicamente, “quem fez com que os direitos de autor aparecessem foi o produtor, porque detinha o exclusivo do autor e passou a querer protege-lo através da criação desse direito”. Por outras palavras, foi o valor que o autor deixava de ganhar quando os músicos pegavam na sua canção e iam toca-la que provocou a criação do direito de autor.

Assim, hoje podemos garantir que numa canção existem três partes envolvidas e todas elas possuem direitos:

  • O autor é aquele que cria, que concebe a canção.

  • O intérprete / o artista é aquele que pega na criação finalizada pelo autor e lhe dá existência quando a toca ou a canta (por vezes, o autor e o intérprete são a mesma pessoa, no entanto, são operações distintas).

  • O produtor é aquele que não está ligado directamente à concepção artística, mas é o seu investidor e que, por conseguinte, detém a canção. Porque para gravar essa mesma canção foi preciso garantir financiamento, tecnologia e técnicos com know-how suficientes para permitir que essa canção entre no sistema de distribuição e de reprodução.

O streaming, o value gap e os twists

Este avanço permitiu aos autores verem o seu trabalho ser explorado em todo e qualquer lugar enquanto recebiam os seus merecidos lucros mesmo sem estarem presentes. “Eis então que surge um direito equivalente ao direito de autor e que é o direito conexo. Por outras palavras, é um direito de artista que é conexo ao direito de autor porque é desenhado sobre o modelo que já estava feito para este”, esclarece.

O digital e a difusão da internet alteraram por completo o modos operandi na cena musical. A desmaterialização sonora, se lhe podemos chamar assim, e a possibilidade de manter as pessoas em permanente contacto, fizeram com que a música possa hoje ser partilhada como nunca antes aconteceu. “Quando a música pode viajar assim, não foi o autor que mudou, não foi o músico que mudou, foi o produtor”, diz Sampaio. “A música passou a chegar às pessoas de outra forma e, neste processo, o produtor deixou de conseguir cobrar da maneira que queria. Houve um take over de uma indústria à outra e o negócio desfragmentou-se”.

Neste contexto, o direito dos produtores ficou mais ou menos salvaguardado, porque são eles que decidem quais as plataformas digitais legais para fazer a distribuição. Mas quem faz o negócio com o consumidor final, quem apura os valores e os divide pelas partes – autores, produtores e interpretes – é a plataforma. “Se é quem distribui, tem uma vantagem e é aqui que aparece o value gap, o desequilíbrio entre as partes e as plataformas”.

A percentagem para os criadores deve ser sempre mais elevada. Tradicionalmente, a lei entende que o artista confia a gestão do seu trabalho ao produtor e tem uma razão boa de ser que é quando o produtor pega na música para vende-la e paga ao músico consoante o contrato estabelecido. A distribuição é importante, pelo seu investimento, mas quem a faz nem por isso. “O que faz realmente a diferença é esta pessoa que tocou aquilo, é o artista, o identitário. Pode ser substituído, mas a coisa muda logo. Quem faz a distribuição, não muda assim tanto”.

Na teoria é isto que acontece. Na prática, nem por isso. “Os produtores foram sendo postos fora do negócio. Portanto se o que tenho é uma percentagem sobre o negócio dos produtores, eu enquanto artista, sou já uma parte mínima porque eles tiveram a despesa toda. Então, a minha parte mínima sobre a parte mínima que lhes é paga a eles é ínfima! No final, são só migalhas para o artista”.

“Vamos arranjar um modelo que pague todos”

Se muitos artistas já eram os intérpretes das suas músicas, agora são também produtores, porque eles próprios gravam em casa ou nos seus estúdios, pagam e falam com a editora que, para além de trazerem a vantagem da promoção, vai falar com as plataformas para distribuírem o disco. Actualmente, o direito do artista está metido no direito do produtor. Logo o poder negocial é bastante menor. Onde e como é preciso mudar?

A GDA sutenta que o que está em causa, acima de tudo, é o reconhecimento do artista como parte integrande deste negócio. “Por exemplo, quando o Spotify passou a poder ter as músicas das editoras, paga um x à cabeça para poder ter o negócio. Depois, paga outro x todos os meses ou cada vez que as música toca e entrega esse valor às editoras. Dessa parte, as editoras entregam um valor aos artistas de acordo com os contratos. Mas aquele valor, que é muito importante e foi entregue refere-se a todo o reportório que as editoras têm e não por critério de distribuição. O que eles dividem sim é em função dos relatórios que recebem. Para não falar que esses relatórios não são de fácil leitura. Eles cumprem o negócio, mas não na simplicidade”.

Atenção! Isto tem tudo a ver com o teu trabalho

Quando estamos realmente informados sobre os nossos direitos enquanto artistas, podemos melhorar e potenciar o trabalho de todos sem afectar a sua qualidade. Se és o autor, tens o direito de autor e és representado pela Sociedade Portuguesa de Autores. Se és o intérprete/artista, tens o direito de intérprete e és representado pela Gestão dos Direitos dos Artistas. Se gravaste, financiaste e organizaste as tuas canções, tens o direito de produtor e és representado pela Audiogest.

Para finalizar, Luís Sampaio salienta que, “quando estamos em inicio de carreira, temos de nos promover e, muitas vezes, significa baixar preços. É preciso ter critério. Cuidado, estabelece um prazo razoável no contrato. Um ano, dois anos. Quando chega ao fim volta tudo para ti, porque o direito é teu. Cada vez que abrires mão de qualquer coisa, tem a noção que estás a abrir mão de qualquer coisa e que tens de ter um valor em troca”.

Não guardes as dúvidas para ti. Informa-te mais sobre os teus direitos enquanto artista na Gestão dos Direitos dos Artistas: http://www.gda.pt/pt

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por: Teresa Melo
ilustrações: Mariana Cáceres

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