Tiago Pereira: Música com Povo

São cantigas, danças, contos, poesia, folclore, cantes, expressões, retratos. São formas de estar populares e urbanas. Tiago Pereira, o mentor de A Música Portuguesa A Gostar Dela Própria [AMPAGDP] perde-se nas cidades, aldeias e lugares do nosso país para devolver os protagonistas à polifonia portuguesa. Este realizador - que também é produtor de eventos e tem um programa de rádio - define-se como uma espécie de ativista de uma causa mais do que propriamente das outras pequenas coisas. O ímpeto é sempre o mesmo: igualar a música portuguesa.

Por acreditar que na música não há hierarquias, Tiago sublinha o respeito sonoro como a premissa para que o equilíbrio se estabeleça: da adufeira ao metaleiro, da estrela pop à velhinha que canta porque sim. Estamos educados para que haja vários tipos de música. Obviamente, há a música de orquestra, o rock e o pop, há os virtuosos, mas os destaques estão quase sempre nos mesmos. Portanto eu quero nivelar o grau de atenção.

É assim desde 2011, quando Tiago aproveitou a nova vaga da música portuguesa. Foi todo um princípio de coisas que estavam a existir na altura e havia muito destaque para este movimento. Então, já que existia tanta variedade, era pôr tudo no mesmo espaço virtual e criar esta coisa que é um youtube da música portuguesa para o séc.XXI. De repente, já lá vão sete anos, 2988 vídeos, uma série de televisão, um site, 1819 projetos, 5850 instrumentos, palestras e muitas conversas que se somam na mesma equação.

AMPAGDP não é feita de tudo, mas de como vejo as coisas, como elas aparecem em mim. É a minha história e a das pessoas que estão à minha volta, refere. E acrescenta ainda que em Portugal, todas as gravações do Giacometti ou do Armando Leça sempre foram de difícil acesso. Então AMPAGDP veio mudar esse paradigma. Escutar, gravar uma manifestação musical e torna-la acessível tornou-se o fundamento. A ideia é acabar com os picos, respeitando sempre as diferenças.

Em qualquer caso, às paisagens sonoras Tiago junta os elementos que lhe pareçam atraentes ao ouvido. Gravo tudo o que me apetece. Há vozes, assobios e trechos musicais que ajudam a passar o tempo. Há os músicos profissionais e as fanfarras, os grupos de cantares em tabernas, os guitarristas e os tanoeiros. Pronúncias. Músicas que dantes marcavam o ritmo das tarefas e outras que se adaptaram às novas realidades. Depois, é apontar as câmaras e ligar os gravadores. Posso gravar a Lucía Vives quando agarra na viola, como gravo uma miúda do Porto com 22 anos que faz loops com a sua voz e com a da avó. O efeito final é uma mistura criadora, um cruzamento de ambientes sonoros que agita e em nada é poluidora.

Idealmente, gravaria toda a gente que canta no banho. Mas a tónica está sempre no gostar de, no sentido em que a maior parte das pessoas tem vergonha daquilo que faz porque a sociedade te obriga a ver as coisas de outra maneira. Há sempre uma maquilhagem para o exterior e pouca maquilhagem para o interior. E acho que é importante as pessoas aprenderem a maquilhar o seu interior e a aceitarem-se tal como são, diz o Tiago. Importante é não perder esta lógica que é bom cantar para nós próprios e nunca podemos pôr o cantar numa prateleira em que só é bem visto se cantares num palco ou num concurso. Não. Podes cantar onde quiseres quando quiseres porque sempre foi isso que aconteceu e é essa a parte genésica da coisa, de tribal, que não podemos perder. É aquilo que é internacional em nós.

Porque quem ouve também viaja e são as imagens deste Portugal menos re-conhecido que ajudam a reconhecer os lugares e os seus sotaques. Há muitos sítios e muitos universos. E é bom, porque percebes que há muitas sociedades: a transmontana não tem nada a ver com a alentejana, por exemplo.

Todas estas fontes de inspiração assumem uma imponência que ilustra bem a forma como a música portuguesa vê o património herdado da cultura popular. Quando te predispões a essa situação, elas transformam-se e essa transformação é sempre uma benéfica, porque te dá um outro nível de humanidade.

http://amusicaportuguesaagostardelapropria.org

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Por: Teresa Melo
Fotografia de Capa: Tiago Pereira

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