João Nogueira: deixem as guitarras desassossegadas

Sabe-lhe o jeito orgânico de pegar na guitarra e arrancar-lhe uma intensidade desconcertante. Desenhou o amor pela música em Cruzes Credo. Dispensou singles. É o guitarrista de Riding Pânico. Gere uma das principais casas de música ao vivo da capital, o Musicbox. É o João Nogueira.

Em 2002, juntou-se ao Bb e ao Jorge Manso para ver nascer os Riding Pânico. “O BB tinha o Black Sheep Studios (BSS) e foi tão fácil começar a tocar uns com os outros, praticamente todos os dias. A minha segunda casa era o BSS”. As viagens de comboio infindáveis. A guitarra e os pedais às costas rumo ao estúdio e de volta para casa. “Na altura até o Geraldes de Linda Martini tocava um bocadinho connosco”.

Em 2012, o espectáculo “Fazer para Desistir” do guitarrista Rui Carvalho (Filho da Mãe) trouxe o momento bonito de juntar amizades no palco do Teatro Maria Matos. Ao lado da Cláudia Guerreiro (Linda Martini), do Hélio Morais (Linda Martini, PAUS) e do Shela (Riding Pânico, LaMa), João revelava-se assim entre tappings inquietantes.

As colaborações prolongaram-se até ao cinema. Em “Memórias de Fogo” (Frederico Miranda, 2009) por um lado e na curta-metragem “Sing The Sand Into Pearls” (Raquel Claudino, 2013), por outro, João continuou a entregar os acordes à infinidade de timbres. Fazia-se perceber pela lógica de compor que, na realidade, todos estes processos eram-lhe muito inatos: a nós é que nos deixava sempre maravilhados.

Finalmente, apresentou-se como Cruzes Credo. Incentivado pelo Rui e pelo Shela, o projecto acabou por descobrir-se efémero, embora atordoante o suficiente para sentir nas expectativas um possível regresso. Sozinho na guitarra, João não parecia isolado porque existia ali a maior espontaneidade do mundo. Sem normas, em nada insubordinado. “O Rui acabou por gravar-me umas cinco musicas e ainda toquei uns shows com ele. Cruzes Credo começa precisamente na altura em que tive a proposta de ir para Angola e isto caiu num sitio que ainda não sei bem onde é”.

A hotelaria não era uma predilecção, mas foi onde começou a trabalhar quando era miúdo. “Acabei por ficar três anos em Cabo Ledo para gerir um resort e desliguei-me um bocadinho da musica. Não havia grande estimulo. Tão diferente da minha realidade aqui, que acabou por se afastar”.

Três anos mais tarde e dá por si de volta a Lisboa. Chega ao Musicbox, no Cais do Sodré, através do Pedro Azevedo. Como floor manager, João assegura que tudo acontece dentro daquelas portas. O ritmo é acelerado, a responsabilidade desmedida e as respostas rápidas, por isso, desenganem-se as ideias de que é simples. “Desde de contactar canalizadores até dar todo o apoio às bandas, seguir soundchecks, fazer com que os artistas se sintam bem num espaço tão reduzido e em condições que às vezes não estão habituados. Contratar pessoas e despedir algumas, coisas chatas, mas às vezes acontece. Controlar dinheiro. Mesmo que tenha de estar lá durante o dia, fico a noite toda. Porque trabalho assim”. Garantir que nada falha.

“O projecto é muito giro e há essa parte óptima de conhecer gente, ver espectáculos semanalmente, lidar com pessoas e estar num meio que estou muito à vontade”, conta. Mas impõe-se a dificuldade dos horários irregulares e um esforço extra para conseguir ensaiar. “Muitas vezes, sair do trabalho de manhã e ir de directa tocar. Não é muito fácil essa gestão e exige um esforço gigante porque gosto muito daquilo”.

Como um espectro com dois extremos que muito dificilmente se encontram e conciliam, há outro lado profissional que acabou por prevalecer, fosse a música auto-sustentável e a preferência era óbvia. No entanto, é sempre evidente que quando o João se expande em palco, há algo que estremece. Porque a musicalidade continua a desdobrar-se no talento raro, inquieto e indomesticável. Se a música não serve para nos devorar, serve para quê?

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por: Teresa Melo
fotografia: Dunya Rodrigues

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