Plasticidade, a matéria, a música. Portanto, a manipulação desses elementos, a representação invulgar de uma imagem, a alternativa visual. A relação ambivalente do trabalho do fotógrafo e membro da Until We Film, David Tutti dos Reis, e a realidade é consciente e, claro, muito saturada. Chama-se UTTITLED MUSIC.
Uma inspecção que é bem próxima das cores
Mais ou menos estáticas, as séries que David Tutti nos propõe formam um diálogo especial entre personagens e contextos. Embora essa coesão inusitada demore o seu tempo até se revelar completamente, acima de tudo é uma forma expressão . “Na fotografia comecei a procurar o meu caminho, a minha identidade. Tentei encontrar um sítio onde me sentisse confortável, mas que deixasse as pessoas incómodas no sentido de não perceberem como é que foi feito. Aquilo parece real, mas não o é ao mesmo tempo”, explica o fotógrafo.
Antes de ter o seu espaço na fotografia, o primeiro salto foi dado no cinema. Apesar das condicionantes que ultrapassam qualquer um que se aventure nesta área, David Tutti realizou vários telediscos, como “Ride My Pussy” de Da Chick ou “Primavera” dos Marvel Lima. “Uma das razões pela qual quis tirar cinema era para fazer videoclips, mas a indústria da música em Portugal é o que é. Não culpo as bandas, mas é ingrato. Não têm dinheiro para suportar o custo da produção de uma filmagem”.
Inúmeras tentativas e uma observação que se ia afinando a par do processo. Primeiro as cores, depois a composição e, por fim, a luz. Nesta ordem natural, o fotógrafo construía o seu próprio plot e, aos poucos, as imagens começaram por contrastar até se responderem entre si. “O momento quando decidi intervir na fotografia foi no País de Gales. Estava num parque nacional, a olhar para um riacho e naquela água havia um reflexo verde, mas um verde néon. Fiquei a olhar para aquilo e tirei uma fotografia. Comecei a brincar com as cores para tentar tirar o verde que estava a incomodar-me e acabei por mexer em tudo”.
Desse dia até à Graça - ou melhor, na Graceland. Descreve-o como “um paraíso total para poder estar, criar e até sem fazer nada. Somos um grupo de amigos que alugou um armazém, mas não há divisões aqui".
UTTITLED MUSIC
“O meu trabalho até hoje tem sido muito à base de landscapces e retratos. Mas esta onda de construção, de pegar em coisas e de altera-las é uma cena que me entusiasma”. Num cenário surrealista e daltoniano, Uttitled Music, o mais recente projecto do fotógrafo, sobressaem instrumentos musicais em suspensão. Brotam de caules e folhagens e mantém-se a ideia de produzir a partir de um objecto que sai verticalmente da sua composição. Uttitled Music evoca três fotos, cada uma com uma palete de cores específica. O Burgundy, por um lado. O Pacific, “super fresco, meio havaiano, com os azuis todos, as águas verdes”. E o terceiro, o Mango, “que parece aquelas mangas que se abre e são super laranja por dentro”.
O resultado de uma visão abstracta e plástica é um trabalho que se sente, mais do que imagina-lo apenas. Descobri-lo, implica entrar nesta reunião de seres, objectos, paisagens e cromatismos. O David Tutti faz as honras e o convite dessa aproximação.
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por: Teresa Melo
fotografia: David Tutti dos Reis