André Gonçalves | 'Se não houver o excêntrico, não há avanços'

Quantos sons consegue alguém carregar consigo? André Gonçalves é quem provoca esta questão. Só nos últimos anos, André, músico e o fundador da ADDAC System, conseguiu preencher tantos espaços quanto a capacidade expansiva do som, deixando-nos curiosos sobre a forma como a música nasce do seu próprio processo.

ADDAC System: criador de ecossistemas sonoros

Peculiar no seu percurso, a electrónica aconteceu por via das artes visuais para controlar robótica, sensores e afins. “A certa altura, as coisas acabaram por se juntar num centro em que eu conseguia programar e criar as interfaces”. Há nove anos atrás desenvolveu o primeiro sintetizador. “Há dez anos não sabia sequer que hoje estaria nesta situação, foi assim um acaso. Pouco tempo depois de ter percebido que havia um negócio que podia arrancar, pensei que “ok, se ficar o resto da vida a fazer isto, não me chateio minimamente”.

A imprevisibilidade é, no final de contas, a grande catalisadora desta história. A certa altura, André decide deixar o atelier de design onde trabalhava e dedicar-se à música. “O que acabou por ser um engano. Como não tinha ordenado, tinha de trabalhar mais. Deixei de ter dinheiro para comprar peças para os novos sintetizadores. Então, foi nessa altura que pensei “agora tenho tempo, posso tentar fazer uma coisa para o sintetizador”, conta. E desenvolveu o primeiro módulo, mais complexo e específico. “Na altura não havia nada parecido e tentei explorar um bocadinho. Depois fiz um módulo que era realmente novo, um pequeno sampler que não existia neste mundo”. Terminada a peça, publicitou num fórum online dedicado à área.

No dia seguinte tinha 70 encomendas. Logo assim, da noite para o dia. A partir do dia 2, o Ruben entrou na equipa para ajudar e, aos poucos, o projecto cresceu e a produção aumentou. “Tento sempre ver que ideia é que consigo trazer de novo e que não exista algo de semelhante no mercado”. Actualmente a ADDAC System é uma das três marcas com maior linha de produtos a nível internacional.

Entre o extravagante e a precisão high-tech, André Gonçalves é simultaneamente transversal e está no meio deste espectro. “Gosto de pensar que tenho um approach peculiar”, esclarece. “Há uma ideia do user interface para operar que deve ser intuitivo. As descrições do controlo são sempre precisas para ser mais imediato e para uma pessoa evitar andar com manuais”. O perfil experimental do músico não o restringe aos moldes quadrados de uma composição tradicional, muito pelo contrário. Por isso, quanto mais peças tiver no sistema, mais possibilidades.

Um dia, abre o e-mail e tinha uma encomenda do Martin Gore. À lista de clientes, fazem parte muitos outros conhecidos do universo musical como Aphex Twin, David Sylvian, Amon Tobin, Lloyd Cole ou Ville Valle. “É interessante vender para estes músicos maiores e que já trabalham nisto há muitos anos. Como? Porquê?”.

"Porque a música em si tem esse lado de nos transportar"

Os movimentos são estéreos, as vozes processadas e os elementos sintéticos. “A música é capaz de ser das artes que tem sempre um lado super de autor e um lado super mainstream”, diz André Gonçalves. “Mas eles também se potenciam um ao outro. Se não houver o excêntrico, não há avanços”. Na confiança habitual pela abertura da exploração sonora, André quebra as regras para trazer a dissonância. “Cada apropriação e interacção de avanços e retrocessos na música, essa engrenagem e contágio, é algo possível de ser feito”, esclarece.

Nesta visão, as condições criaram um ecossistema sonoro até bastante ousado: o da aleatoriedade. Em 2015, resolveu lançar Música Eterna, uma app para iOS onde a experiência sensorial é totalmente livre de restrições. Aborda as potencialidades de várias áreas artísticas e, claro, as colaborações nunca poderiam ser as clássicas. Sem duração nem formato fixo, a música reorganiza-se de forma diferente cada vez que é ouvida, recorrendo a uma partitura com multipistas. “A minha Música Eterna foi desenvolvida na tradição do ambient music e por isso, tem esse lado de acompanhar. Não necessita da audição toda do ouvinte, de estar completamente concentrado. Pode acontecer, mas se não acontecer não me chateia”, explica. Porque a música também tem si tem esse lado de nos transportar e, “potenciar um conforto para o nosso cérebro divagar, também me agrada”, acrescenta.

Muda-se constantemente de cena como só a música consegue proporcionar. “O meu trabalho é muito no sentido de uma construção musical. Às vezes, essa composição até é feita de coisas com anos diferentes e que não foram sequer pensadas para estar juntas, mas depois acabam por encaixar”. A atenção move-se sincronizada com os sons, mais ou menos espaçosos, mais ou menos reconhecíveis, mas todos alterados electronicamente. Depois, a intervenção monta o cenário e a imersão acontece.

http://www.addacsystem.com

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por: Teresa Melo
fotografia: Vera Marmelo

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